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R$ 22 mil em gadgets para procuradores de SP: auxílio bilionário sem controle público

Com salários acima do teto constitucional, procuradores da capital paulista ainda recebem até R$ 22 mil a cada três anos para comprar celulares, notebooks e até itens gamer, pagos com verbas de origem contestada

O Farol Diário apurou que a Procuradoria-Geral do Município (PGM) de São Paulo instituiu, em fevereiro, um benefício que permite a cada um dos 397 procuradores ativos gastar até R$ 22 mil a cada três anos na compra de eletrônicos pessoais. Os itens, que vão de iPhones a monitores gamer, são custeados por um fundo administrado pela própria PGM — órgão ligado à prefeitura — com recursos considerados “privados” pela instituição, mas cuja natureza jurídica ainda é amplamente contestada.

Segundo a PGM, a verba é formada por honorários pagos por cidadãos que perdem ações judiciais contra o município. A procuradoria defende que esses valores não têm natureza pública, apesar de serem obtidos em função de um serviço estatal. No entanto, especialistas, decisões judiciais e o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) já colocaram em dúvida essa interpretação. Em 2024, o ministro Herman Benjamin, do STJ, afirmou que os recursos deveriam servir ao interesse público, e não se transformar em benefícios privados.

O auxílio permite que cada procurador escolha livremente quais equipamentos deseja adquirir, sem necessidade de justificar a compra. Itens como notebooks MacBook, smartphones iPhone e até produtos voltados ao público gamer foram reembolsados. Um dos casos mais emblemáticos é o do secretário da Fazenda de São Paulo, Luis Arellano, que comprou iPhone 15, MacBook Air e adaptadores, totalizando o teto de R$ 22 mil, apesar de já receber o teto constitucional: R$ 46,3 mil mensais.

A polêmica se acirra pelo fato de que os equipamentos adquiridos passam a pertencer ao procurador de forma privada, sem retorno ao patrimônio público. A única exigência é que o servidor permaneça no cargo por dois anos após o reembolso. Isso, em um contexto no qual a própria prefeitura já oferece computadores institucionais para uso funcional, acende questionamentos sobre a real necessidade do benefício.

Além disso, o argumento da PGM de que o fundo é composto por “verbas privadas” é visto com desconfiança por órgãos de controle e membros do Judiciário. A ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge ingressou com ações contra esse tipo de pagamento, e o STF já decidiu que honorários não podem ser usados para burlar o teto remuneratório. O auxílio, por ser considerado “indenizatório”, não entra nesse cálculo — uma brecha jurídica amplamente explorada, inclusive em outros níveis da administração pública.

O caso reacende o debate sobre privilégios no alto escalão do funcionalismo, sobretudo entre categorias que já acumulam altos salários, estabilidade e liberdade para exercer atividades paralelas, como a advocacia privada. Em meio à crise fiscal e à dificuldade de prestação de serviços básicos, a existência de auxílios como este lança dúvidas sobre a gestão do interesse público na capital paulista.

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