A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) condenou o governo brasileiro a reparar os direitos violados de quilombolas de 171 comunidades em Alcântara, no Maranhão, devido aos impactos causados pela construção do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA). A sentença foi anunciada na tarde desta quinta-feira, na sede da CIDH, na Costa Rica. Além da reparação, a corte determinou que supervisionará as ações do Estado brasileiro até que a decisão seja cumprida.
A denúncia, feita em 2001 por diversas organizações de direitos humanos e entidades quilombolas, aponta que até hoje o território das comunidades segue sem o devido título de propriedade coletiva. O Brasil, que reconhece a jurisdição da CIDH como um dos 20 países da região submetidos à Organização dos Estados Americanos (OEA), se comprometeu, durante audiência em 2023, a reconhecer parcialmente as violações e chegou a emitir um pedido público de desculpas por meio da Advocacia-Geral da União (AGU).
Apesar disso, o processo de titulação dos territórios quilombolas segue sem conclusão, e o governo foi acusado de não oferecer condições justas e equilibradas para um debate transparente sobre a questão. Entidades como a Justiça Global classificaram o acordo firmado entre governo e quilombolas em 2023 como “temerário”, alegando que poderia fragilizar a deliberação da CIDH. Além disso, em janeiro de 2024, quatro entidades quilombolas romperam as negociações com o governo Lula, denunciando exclusão dos debates.
O CLA foi criado durante a ditadura militar, em 1983, e levou à desapropriação de 312 famílias entre 1986 e 1988, sem qualquer estudo de impacto sociocultural ou ambiental. Os quilombolas deslocados foram realocados para agrovilas, onde, segundo a denúncia, passaram a enfrentar dificuldades como falta de saneamento básico, ausência de políticas públicas e restrições à agricultura e cultivo de alimentos. Mesmo após décadas, as famílias continuam sofrendo os impactos econômicos e sociais da perda de seus territórios.
Alcântara, município com 18 mil habitantes segundo o Censo de 2022, concentra a maior população quilombola do país, com cerca de 85% dos moradores vivendo em comunidades tradicionais. O Maranhão, que teve o maior percentual de população escravizada durante o período imperial, ainda reflete as marcas históricas da desigualdade. A condenação do Brasil na CIDH reforça a necessidade de uma solução definitiva para o reconhecimento e titulação dos territórios quilombolas na região.