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Corrente de conflito: parques eólicos e o dilema do “roubo de vento”

O crescimento acelerado da energia eólica offshore revela um impasse técnico e político entre parques vizinhos e ameaça a eficiência de um setor vital para a descarbonização.

Corrente de ar, corrente de tensão. À medida que turbinas eólicas offshore se multiplicam nos mares da Europa e da Ásia, um fenômeno conhecido como “roubo de vento” tem gerado atritos no setor de energia renovável. O efeito ocorre quando um parque eólico situado a montante reduz a velocidade do vento que chega aos vizinhos, impactando negativamente sua produção energética — uma perda que pode chegar a 10%. O jornal O Farol Diário apurou que a questão está começando a gerar conflitos jurídicos e diplomáticos.

O fenômeno técnico por trás dessa disputa é o chamado “efeito esteira”, no qual o ar que passa pelas turbinas sai mais lento e turbulento. Esse padrão pode se estender por até 100 quilômetros, afetando negativamente outros parques instalados na mesma rota do vento predominante. “O vento é mais lento atrás de cada turbina e atrás do parque como um todo”, explicou Peter Baas, da empresa holandesa Whiffle, à BBC.

Com a pressão global para atingir metas de emissões líquidas zero até 2050, a corrida por novos megaparques eólicos parece estar atropelando um princípio básico: o planejamento coordenado. “Estamos dobrando ou triplicando o número de turbinas em pouco tempo, e muitas estão muito próximas”, alertou Pablo Ouro, pesquisador da Universidade de Manchester. Seu projeto busca antecipar os impactos desse fenômeno até 2030, quando milhares de novas turbinas devem entrar em operação nas águas britânicas.

Além do desafio técnico, cresce um impasse político e legal. “Ninguém é dono do vento, mas isso não torna o problema menos real”, afirma o advogado norueguês Eirik Finserås, especializado em disputas energéticas. Conflitos transfronteiriços começam a parecer inevitáveis em regiões como o Mar do Norte, onde turbinas britânicas já influenciam a produção de parques holandeses.

Com turbinas cada vez maiores — algumas com pás de mais de 100 metros, capazes de abastecer até 20 mil residências —, o problema tende a se agravar. A maior eficiência dessas estruturas implica também esteiras mais intensas. Governos da Europa e da China estão atentos, mas ainda não há um consenso regulatório sobre como lidar com o vento como recurso compartilhado.

O exemplo de outros bens comuns do mar, como a pesca e o petróleo, pode servir de guia. Mas enquanto isso não acontece, o alerta está dado: até as soluções mais sustentáveis exigem estratégia e cooperação. Afinal, um futuro verde não pode ser construído às cegas — nem ao sabor dos ventos.

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