Cid cai em armadilha no STF e põe em risco acordo que sustenta denúncia de golpe
A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro ganhou um inesperado trunfo no processo sobre a tentativa de golpe de Estado no fim de 2022. Durante interrogatório no Supremo Tribunal Federal (STF), o tenente-coronel Mauro Cid, delator-chave no caso, caiu numa armadilha preparada por um dos advogados de Bolsonaro e, ao negar ter utilizado redes sociais para tratar de sua colaboração com a Justiça, foi flagrado em contradição. A revelação de que Cid violou regras de confidencialidade pode fragilizar seu acordo de delação premiada — pilar central da acusação que envolve o ex-presidente e militares de alta patente.
O episódio ocorreu nos dias 9 e 10 de junho, quando o STF interrogou oito réus do núcleo principal da chamada “conspirata”. Cid, que já havia contribuído com vasto material probatório, soou hesitante e apresentou lapsos de memória em diversos momentos. No entanto, foi ao ser questionado pelo advogado Celso Vilardi sobre o uso de um perfil no Instagram (@gabrielar702) que o delator acabou se comprometendo. Documentos obtidos por VEJA mostram que, mesmo após firmar o acordo com Alexandre de Moraes, relator do caso, Cid utilizava a rede social para discutir detalhes das investigações e do próprio acordo — prática proibida.
As mensagens trocadas entre 29 de janeiro e 8 de março de 2024 revelam que Cid compartilhava bastidores das audiências, criticava duramente Moraes e alimentava dúvidas sobre a imparcialidade do processo. Em um dos diálogos, afirmou que “o jogo é sujo” e que o ministro já teria “sentença pronta”. Essas conversas, se confirmadas, podem levar à anulação da delação, colocando em risco não só os benefícios concedidos a Cid — que incluem a possibilidade de pena branda ou perdão judicial —, mas também parte do arsenal probatório da acusação.
Embora a acusação contra Bolsonaro e seus aliados não se baseie exclusivamente nos relatos de Cid — a Procuradoria-Geral da República compilou cerca de 80 terabytes de evidências —, sua delação foi crucial para dar forma e contexto às investigações. A possível quebra do acordo poderá ser explorada pela defesa dos réus para enfraquecer o caso ou empurrá-lo para o plenário do STF, onde os advogados acreditam ter mais chances.
A decisão sobre a manutenção ou não da delação cabe a Alexandre de Moraes. Independentemente do desfecho, o episódio reforça um dos aspectos mais delicados do processo: o risco de depender de delatores sob forte pressão e com interesses próprios. Para O Farol Diário, o caso também evidencia como a tentativa de golpe e sua posterior investigação seguem gerando desdobramentos imprevisíveis no já turbulento cenário político brasileiro.