O regime de Microempreendedor Individual (MEI), muitas vezes exaltado como solução para a informalidade no Brasil, tem se revelado um problema crescente para as contas públicas. Estudo divulgado pelo Observatório de Política Fiscal do FGV Ibre estima um déficit atuarial de R$ 711 bilhões para a Previdência Social, causado exclusivamente pelo modelo de contribuição reduzida do MEI. Caso o salário mínimo continue crescendo 1% ao ano em termos reais, o rombo poderá alcançar R$ 974 bilhões.
Criado em 2009, o MEI permite que trabalhadores autônomos contribuam com apenas 5% do salário mínimo para o INSS. Com 16,2 milhões de inscritos em 2025, a categoria já representa quase 12% dos contribuintes da Previdência, mas responde por apenas 1% da arrecadação. Para o economista Rogério Nagamine, autor do estudo e ex-subsecretário do Regime Geral da Previdência Social, o modelo é “uma bomba previdenciária”.
Além do impacto fiscal, o regime tem servido como porta de entrada para a pejotização das relações de trabalho. Profissões como cabeleireiros e esteticistas foram diretamente afetadas pela chamada Lei do Salão Parceiro, que legalizou vínculos sem carteira assinada. A distorção se estende ao setor educacional: faculdades privadas, por exemplo, têm substituído professores celetistas por prestadores de serviço via MEI.
A situação pode piorar com projetos em tramitação no Congresso que ampliam o teto de faturamento do MEI de R$ 81 mil para até R$ 130 mil, e autorizam a contratação de um segundo funcionário. A proposta, vista com simpatia por parte dos parlamentares, tende a se acelerar em ano eleitoral — ampliando um desequilíbrio já crítico, que pode levar o déficit do regime a R$ 1,9 trilhão em sete décadas.
Para especialistas como Adriane Bramante, do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, o MEI teve seu papel social ao incluir trabalhadores pobres no sistema. No entanto, o modelo vem sendo desvirtuado: “Tem gente que abre MEI só para conseguir plano de saúde. Isso é desvio de conduta”, alerta.
Apesar da gravidade dos dados, os ministérios da Previdência e do Empreendedorismo não se pronunciaram. O debate segue em aberto, e a reportagem completa foi publicada pelo jornal Folha de S.Paulo. Em tempos de envelhecimento populacional e informalidade em alta, o Brasil enfrenta o dilema entre inclusão produtiva e responsabilidade fiscal — um tema que merece atenção especial d’O Farol Diário.